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April 5, 2017

A PRESCRIÇÃO PENAL NOS CRIMES COMETIDOS POR PESSOA JURÍDICA

Há muito tempo se discute no mundo alguma forma de combater um novo ramo da criminalidade moderna, denominada, pela doutrina, de criminalidade não convencional ou empresarial. O constituinte brasileiro, em 1988, atento aos debates travados especialmente nos Estados Unidos e na União Europeia acerca do tema instituiu, pela primeira vez no Brasil, comandos constitucionais que abririam, em tese, a possibilidade de responsabilização penal do ente moral.

Com isso, a Constituição brasileira passou a dispor, no seu artigo 173, § 5º, que a lei estabelecerá a culpabilidade da pessoa jurídica, sem detrimento da responsabilidade individual dos seus dirigentes, sujeitando-a a punições condizentes com a sua natureza no que tange aos atos praticados contra a ordem econômica e financeira, bem como em prejuízo à economia popular. No que refere a este dispositivo, insta salientar que ainda não houve regulamentação acerca da imputação penal do ente coletivo. Importante frisar, de mesmo modo, que se sustenta na doutrina que o referido artigo não nos conduz à conclusão de que é possível a empresa responder penalmente pelos seus atos, visto que o termo responsabilidade deve ser lido sem adjetivos, sendo este um conceito jurídico geral, e não especial, como seria se fosse redigido com responsabilidade penal.

Estabeleceu a Carta Magna, outrossim, no artigo  225, § 3º, que os comportamentos nocivos ao meio ambiente sujeitarão, as pessoas físicas ou morais, a punições penais e administrativas, independente da obrigação de reparação do dano causado.

 Com o advento da Lei 9.608/98, temos, no seu artigo 3º, efetivamente, a imputação criminal da pessoa jurídica, no que concerne aos crimes ambientais, podendo essa ser condenada à pena restritiva de direitos, visto que não possui condições de cumprir pena privativa de liberdade. Desde então, vem se travando, na doutrina e na jurisprudência, incessantes batalhas acerca da constitucionalidade da responsabilização criminal do ente abstrato em delitos ambientais, sustentando-se que, através da aplicação da interpretação constitucional sistemática, não seria possível tal imputação, frente às garantias constitucionais voltadas para a definição de crime, capacidade delitiva e aplicação da pena.

Em que pese doutrinariamente o cabimento da responsabilização criminal do ente abstrato ainda ser bastante discutido, temos no Poder Judiciário a superação do embate acima referido, local onde se firmou o entendimento de que é possível a inculpação penal da pessoa jurídica, em segundo plano, sendo imprescindível, para tanto, a comprovação e a imputação de conduta criminosa à pessoa física (nullum crimen sine actione humana). Esta teoria de responsabilização penal foi denominada pela doutrina como Teoria da Dupla Imputação ou Teoria do Ricochete.

O referido posicionamento foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, prevalecendo até o ano de 2013, quando o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 548.181/PR, debruçou-se sobre a questão, definindo que a Teoria da Dupla Imputação seria inconstitucional, pois faz um condicionamento de imputação que o mandamus constitucional não fez.

Vejamos que o legislador pátrio se preocupou em incriminar a pessoa jurídica, entendendo ser esta um órgão que, através dos seus membros, possui intenção de benefício, cultura própria com possibilidade de desvio e vinculação direta com a pessoa física que realiza o ato. Todavia, não observou a compatibilidade da inculpação criminal do ente abstrato com a teoria do delito clássica, que levou décadas para chegar ao estágio de consolidação de garantias em que se encontra.

Até o marco decisório supramencionado, enquanto vigia a Teoria do Richochete, verificamos que o Poder Judiciário tomava como base, majoritariamente, para o cálculo da prescrição dos delitos ambientais cometidos em concurso de agentes de natureza física e jurídica, a pena cominada da infração imputada, utilizando-se o art. 109 do CP. Ocorre que, após a decisão do recurso supramencionado, surge a seguinte questão: se a pessoa moral somente pode ser condenada à pena restritiva de direitos, pode a prescrição do delito ser calculada com base na pena privativa de liberdade abstratamente cominada no delito, ou deve-se aplicar a prescrição disposta no art. 114, I, do CP, que diz respeito à pena de multa?

Em um primeiro momento, devemos observar que os tipos de sanções aplicáveis à pessoa jurídica, conforme o art. 21 da Lei 9.605/98, são: multa, restrição de direitos e prestação de serviço à comunidade. É importante frisar que, mesmo a Lei Ambiental tendo na sua parte geral estipulado a incriminação do ente coletivo e as suas penas aplicáveis, ela não estipulou, na parte especial, o lapso temporal de aplicação da referida aflição penal.

 Vejamos, destarte, que as penas aplicáveis às pessoas jurídicas, ainda que determinadas pelo juízo criminal, não possuem a natureza da referida seara, sendo, portanto, incompatíveis com o cálculo prescricional pelo lapso temporal abstrato dos delitos. Neste ínterim, sendo a prescrição disposta no art. 109 do CP um instituto onde é imprescindível a observância da pena legalmente cominada, entendemos que ele é inaplicável aos entes morais.

Ademais, ante a referida lacuna preconizada pelo legislador, cabe a nós, interpretes, preenche-la através da analogia, que no direito penal pátrio só cabe in bonam partem, motivo pelo qual devemos, lançando mão de uma interpretação sistêmica, aplicar a prescrição concernente à pena de multa, pois é mais benéfica ao réu.

 De outra banda, na medida em que constatamos a incompatibilidade supramencionada, criamos outro problema, agora de esfera prática, pois a prescrição do delito ambiental cometido por ente moral, à luz do art. 114, I, do CP, seria de 02 anos. Considerando este exíguo lapso temporal, bem como a dificuldade de apuração de um delito corporativo combinada com a mora no início ou curso de uma ação penal, tal posicionamento esvaziaria o mandamus constitucional de responsabilização criminal da pessoa jurídica, o que foi o principal argumento utilizado pelo STF para a quebra da Teoria da Dupla Imputação.

Diante do exposto nesta breve abordagem, podemos concluir que o Brasil importou o instituto da imputação criminal da pessoa jurídica de forma equivocada, não observando a necessária mudança na dogmática penal clássica, através da utilização de regras materiais e processuais próprias para os entes morais. Com isso, no que tange ao tema então abordado, devemos aplicar a prescrição disposta no art. 114, I, do CP, até que seja suprida a lacuna legislativa, oportunidade em que não precisaremos lançar mão de analogia.

*Texto publicado no Boletim Informativo nº 003 do Canal Ciências Criminais – p. 29 a 33

BIBLIOGRAFIA

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (Coords). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação subjetiva. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o dano ambiental: a aplicação do modelo construtivista de auto-responsabilidade à Lei 9.605/98. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

MUNIZ SANTOS, Rodrigo. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas e Prescrição. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (Coords). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação subjetiva. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

REALE JÚNIOR, Miguel. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (Coords). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação subjetiva. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

WUNDERLICH, Alexandre. A responsabilidade penal por danos ambientais: do cenário atual à avaliação crítica ao modelo de imputação de entes coletivos e individuais trazidos pela lei 9.608/1995 no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v.23, n.114, maio/jun. 2015, p. 204.

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